
VÍNCULO: poema de Cuti, In: Wilms, Anno; Ivo, Ismael. Körper und tanz. St.Gallen; Berlin; São Paulo, 1990.VÍNCULO[1]
(1990)
Densa Dança
Olhar por dentro e captar o bio-movimento, in-pulso, fluxo, onde todos os deuses habitam e entabulam seu diálogo de inúmeros silêncios, apesar do frisson industrial que nos circunda e bloqueia, com seus muros de culpa, necessidade, ambições frequentes e máscaras para o pensamento.
Olhar para fora e ser bebido pela autora incandescente em tudo que se move com mínima e máxima velocidade das forças naturais, imitadas pelas máquinas diárias de sociedades doentes.
Gesto Ativo
Contradição, palavra-chave do nosso tempo. A caminhada ascendente é sobre o fio perigoso de abismos insondáveis. Quem seguirá trôpego até o final do matadouro? O ódio múltiplo arregaça as farsas que lhe compõe o rosto. Eu, palavra ameaçada pelo isolamento.
Para Fora do Labirinto
Equilíbrio e desequilíbrio. A plateia dos instintos, exausta de tanto sangue, aplaude nossas performances cruéis quando o clímax é a liberdade. Mas, apupa o todo que se mata e ao nada impinge a culpa.
O palco se desloca na passagem do século e acumula, em seu cenário, imensas dúvidas e expectativas maquiadas de ambiguidade e vazio. O que pretende essa estranheza atrás das cortinas é a loucura? As pálpebras mantêm velado o novo espetáculo para nossas vidas.
Exorcisa
Quem entrevou o corpo nas misérias do espírito e prometeu a todos uma eternidade lotérica? Já se percebe que não há prêmio, persistirá a fraude e o pânico, o paraíso etéreo. A dissonância nos
joga no silêncio
gesto de sombra rodeando a córnea
Vibra
possibilidade solidária e muscular dos homens
amordaçada pela convulsão de crises
rejeição aos braços dessa grandeza curva
atávica
vertigem
Abraço
integral saber-se
celular imenso
quantos são os átomos?
movimentos íntimos
passos
de um infinito desejado por esta luz (que somos)
ligação ao sentido macro
e máximo
da existência humana
por enquanto sob o efeito dos sobressaltos hecatômbicos...
por isso este abraço nascido no quilombo.
Estremecido Ser – Sendo Emparedado em si Mesmo
O trabalho fabril não receptivo
emana seu tremor vacilante
lábios de aço publicitário estende
para um beijo,
o pão
o não
o poço
a posse
a possessão!
Resistenciando
com a legião dos “condenados da terra”
despida de folclore e exotismo
cacos deixados pela civilização do ódio progressivo
extremada cegueira
arrastando atrás de si
a fraternidade vitimada por seculares sevícias.
Ismaelcilando
luzes prisioneiras em fundos mausoléus
se abrindo
vicejando em explosões
raízes
Flutuando
Atrás do palco
a entusiasta plateia das “almas no exílio”
orgulhosas das mensagens
desencadeadas na simbologia deste querido Filho
coroado com o arco-íris
e audácia de recontar naufrágios
reencontrar e recuperar cativos abandonados em porões extintos mas remodelados. Ser
Retroativo
sob luzes que se matizam
o expectador não minta
este Satélite de um povo escuro
e adornado com estrelas doces
luta
vitalidade estética
como se arma fosse
Tumultuadas Mãos Sedução e Fogo
O encanto das máquinas impulsionou o desejo para além do possível
pela natureza que lhe sobrevive
e garante à espécie um sol no fundo das pupilas.
Mas a esperança esconde o rosto
em face da extinção gradativa
de um olhar de criança
faminta
que balbucia com Léon-G. Damas
“Mês poupées noires
poupées noires
noires.”
e é de se esperar que o expectador não minta
e possa
ao receber o fluido
reacender possante a sua lucidez
contra
o ruído das guerras
o suplício gerado nas turbinas
a suntuosidade e delírio do monóxido de carbono
úlceras de urânio
moral burguesa vislumbrando em seu conforto
os fatais buracos no ozônio.
Queda e Fraturas
Foi demasiado longe a distância entre os homens
sem ideologia capaz de justificar a exasperante vergonha
perante o cosmos
nem mesmo a angústia do mea-culpa
com sua nudez cadavérica
ou a conquista passo a passo para além da atmosfera.
A evidência sempre será cuspida pela consciência:
o corpo não pertence!
É
apenas
o tempo humanizado
feito espaço e incenso
A histórica imolação física para a purificação da alma
já mostrou o seu monumental ridículo
e o senso da indignação vai se tornando espesso
elo resplandecente
do que resta de possível para um amor ativo
A cidadania conferida à violência
trouxe pavor ao pobre
e o nivelou ao rico
em certos riscos
Grito
em nosso navio ainda habitam
milhões de rancores sob o convés
o balanço marítimo bate cabeça contra cabeça
e há rachaduras indescritíveis
Solidariedade e Abatimento
No tempo escoado quase apodreceu por completo
o som gestual
e com o suor sonoro foi moído junto à cana de Brasil e Cuba
prensado em barras de ouro que deslizaram no Atlântico
pelo caminho de sempre
coado por fim
sangue negro e quente
para deliciar o ocidente e dizer
bom dia.
Dor encarcerada em linguagem de economia e marketing
para o consumo de massa.
Alongamento
confrontando a rocha do silêncio
a musculatura libera o vento
e o pescoço
e o gesto modelando o rito
desencadeia astros encolhidos
ali
onde a emoção é outro barco
ele próprio criador de um mar disposto
a impulsionar o ato corajoso e lúdico
de atentado ao paraíso absurdo.
Frêmito
escancarando a chaga
ondulante água
fogo volitivo
carne da palavra disseminada pela Diáspora em horizonte híbrido
sêmen noturno sobre superfícies estagnadas
ternura tépida
brotando na profundeza das fibras mais finas
da musculatura onírica
A música escorre pelo rosto
desse irmão que dança denso libertário alvoroço
passos de vários povos
lastro humanitário
sequelas
Favelas
e Musseques
Rio de Janeiro
São Paulo
Luanda
Bahia
Antilhas
memória redescoberta
pérola entre as cinzas
pérola de vida
Flor aberta em cena
compreensiva expressão de espinhos
pétalas rítmicas
planaltos e planícies de sabedoria íntima.
Elo de Origem Pelos Caminhos Faciais Ironiza
e excrescência de renováveis crimes
exemplo
dos ditadores de nuestra América en sangría e hambre
para os suicidas de toda ordem
guiados pelo ímpeto atômico
deste Deus criado em opressão e lucro
coração corrupto.
Razão e Crença de Raiz e Fruto
coreografa o sonho plástico deste ser que dança... alça... lança
instintiva ponta
haste estruturada e clássica
reunião de contrastes
solo
energizado no saber do povo
halo primitivo
solo
permeável à universalidade
solo
de Ismael Ivo
ampla geografia do sorriso
karma
calma
calmaria
camarinha
Umbigo.