Cuti.Sanga.Mazza Edições:Belo Horizonte,2002
NAÇÃO INUSITADA
em festa rodopiem os desejos
este beijo é mais
que o ensejo
de sexo
mundos em melanina se fundem no afeto
reencontro de rios perdidos
selvas
sagas
mares temperados com africanas algas
eletrizantes peixes pretos
e seus volts de memória atávica
neste encontro de fontes
ontens em lábios-romã celebram
orgasmos intensos de amanhãs possíveis
e os deuses deixam-se os poros abertos
neste ir e vir
de ancestrais suores.
TRANS...
não é tão somente expressão do pênis
o coração do macho
nem luxúria
quando a saudade se insinua
desencaixa o eixo
a pele esquenta e sua
mar de luz aflora
rolam algas seixos
homem chora
afinidade é o nome
desta infinita aurora.
OPERAÇÃO PENTE FINO
muitos cortaram careca
escorregaram na gosma de inúmeros alisantes
ou se acariciaram com ferro em brasa sobre o couro cabeludo
outros até à nuca
desesperados se cobriram
com as cavalares perucas
e não adiantou nada
por mais lucro havido
na indústria de cosmético
jamais o racismo
mesmo com seu riso químico
será ético
neste comércio
nutre-se
da inferiorização constante e seu complexo.
NEGRINTIMITUDE
o que há de mais sólida
e volátil
é esta salutar solidão
de extrair do próprio peito
o calor e a luz
ante o inverno e as trevas
seiva destilada
entranha das entrelinhas
rosa reencarnada
em alga marinha
recompõe o passado
essência do escuro
em uma dança comunal que ensina
ser o outro
nosso maior tesouro
no abismo
ela é o elã da leitura
de nosso hieróglifo
grafado em ritmo pelos tambores
na caverna dos segredos mais íntimos da magia
é quem todos os dias
nos alimenta
com labirintos e poesia.
CULTURA NEGRA
ariânico afago
na suposta acocorada
afra infância literária
nossa cor sim
e não
reelabora elegbara
orixás não tomam chás de academias
tampouco em mídia sui-seda
cedem
poema de negrura exposta
tece vida
na resposta
abrindo a porta enferrujada de silêncio
explode um coice
o bode
entre folclóricas nuvens e teses
de negrófobas carícias
alvos a-tingidos desesperam
em busca de tambores
ritos
puros mitos
em águas paradas
de poemas pardos
que lhes salvem da chuva de negrizo.
BRANCAR-SE
parece feito um não se sabe absurdo
este vazar-se em claro
parto com muita dor de negar-se
e quando nasce
(placenta só)
este comer com molho branco
a ausência de identidade.